quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Astúcia, inteligência, sabedoria



Por Moacyr Scliar

No interessante Onde Encontrar a Sabedoria? (Ed. Ponto de Leitura), o respeitado crítico norte-americano Harold Bloom observa que, ao longo do tempo, as pessoas sempre recorreram aos livros e aos autores famosos com o objetivo de se tornarem mais sábias. Leitura, esse era o raciocínio, pode ser uma coisa difícil, mas o esforço valeria a pena se, como resultado, a pessoa se tornasse mais sábia. Cabe, contudo, a pergunta: será que este é um sonho comum à humanidade? Será que todos nós queremos a sabedoria? Será que no Brasil, em particular, é este um ideal?

Tenho minhas dúvidas. Sabedoria é uma condição que resulta de uma profunda compreensão do mundo e da condição humana. Nós não nascemos sábios, não nascemos com esta compreensão; temos de adquiri-la através da vida, e isso se faz mediante conhecimento (daí a necessidade da leitura) mas também graças ao "insight", o "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates, mediante o qual aprendemos a não nos deixarmos iludir por nossa arrogância, a reconhecer nossas limitações e defeitos, a pensar e a agir de forma serena e desapaixonada. Agir, sim; sabedoria não é só pensar bem, não é só ter conhecimento e entender as coisas. Sabedoria é agir bem, resolvendo os problemas de forma eficaz, mas de forma ética, decente.

Um componente importante da sabedoria é a inteligência, a palavra que vem do latim e quer dizer entendimento. A pessoa inteligente entende, mediante o raciocínio e a experiência, as coisas, mesmo complexas. É uma habilidade que, diferente da sabedoria, pode ser avaliada, e até quantificada; daí os testes de inteligência, incluindo o famoso QI, quociente de inteligência, aliás objeto de controvérsia nos últimos anos.

Ser inteligente não é ser sábio: na sabedoria o furo está mais acima. A pessoa inteligente nem sempre age bem; a história da humanidade está cheia de vigaristas que aplicavam e aplicam golpes inteligentíssimos (os hackers, por exemplo). No fim essas pessoas se dão mal, exatamente porque lhes falta esse conhecimento maior que é a sabedoria.

Isso é ainda mais verdadeiro no caso da astúcia, que não é sabedoria nem inteligência. É uma coisa menos sofisticada, mais primitiva, daí porque, nas fábulas, é simbolizada por um animal, a raposa. A raposa não é sábia nem inteligente; a raposa é astuta. Astúcia é a habilidade de enganar; astúcia é manha, esperteza. Zélia Duncan diz isso na letra de uma música: Astúcia, astúcia/O que te faltou foi astúcia/Pra roubar meu coração faltou muito pouco/Era só ter procurado no outro bolso. Astucioso é o cara que procura no outro bolso; é o cara que sabe como roubar. Isso explica por que a astúcia é ainda tão valorizada no Brasil: porque representa uma maneira fácil de conquistar as coisas, de subir na vida. Se vocês perguntarem a alguém como se ganha eleições, se com sabedoria, com inteligência ou com astúcia, a pessoa certamente optará por esta última alternativa, atrás da qual estão séculos de safadeza e de corrupção. Mas é que as duras condições da vida em nosso país, a pobreza, a desigualdade, deixaram esta lição: para sobreviver é preciso ser astuto, esperto. É muito glamouroso ser inteligente, é digna de admiração a pessoa sábia; mas, quando se trata de salvar a pele, o melhor mesmo é a astúcia.

Compreensível. Mas não satisfatório. Nós só chegamos à verdadeira maturidade quando a astúcia reconhece a importância da inteligência e quando esta é um recurso para atingir a sabedoria. Um Brasil sábio deveria ser o nosso objetivo maior.

texto extraído do site:

http://www.clicrbs.com.br/



6 comentários:

Regina Laura disse...

Brilhante texto Carmen!!
Quem dera houvesse mais sabedoria no mundo, principalmente entre a turminha lá do Planalto...
Beijo grande querida

J Araújo disse...

Olá Carmen, passei por aqui e achei o texto muito interessante.

Bjs

Denise Carreiro disse...

Carmem, é a primeira vez q te visito. Adorei esse texto ele mostra bem a cara de nosso país (infelizmente) e de nossos políticos. Acredito q um dia seremos um povo sábio. Te convido a visitar meu cantinho. Muita paz!

Rérida Maria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rérida Maria disse...

Olá! Em minhas pesquisas encontrei seu blog, virei sempre visitá-lo. Bjs.
rerida.blogspot.com

Malu Machado disse...

Carmem, que ótimo texto você trouxe para a sua lousa. O ser humano demora muito a amadurecer e a sabedoria só vem da vivência.

Quantos anos de estudo são necessários para um jovem amadurecer o seu texto? Como são primárias as redações nos vestibulares? Mesmo as mais bem escritas, salvo os prodígios, são facilmente percebidas como um texto imaturo.

Ler é preciso, absorver é preciso. Mas raciocinar e opinar com sabedoria, só depois de muita estrada.

Um abraço grande,

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