terça-feira, 25 de maio de 2010

Pais Separados: Como Lidar Com Seus Filhos?





Gabriela Bessa

Psicoterapeuta Existencial, Professora Assistente e Diretora de Marketing Institucional da SAEP.

A questão mais anterior e fundamental que vai permear toda a relação pais e filhos e que será colocada em cheque no momento da separação, é o amor entre pais e filhos. Parece algo simples, amor entre pais e filhos é visceral, natural, inquestionável. Contudo a realidade de como as relações se constroem mostra um outro quadro, muitas vezes evidenciada pela situação da separação do casal.

Pais têm diversas atitudes para com seus filhos que, às vezes, passam por atitudes amorosas mas que na verdade mostram insegurança, dúvida, ambiguidade, obrigação. Isso ocorre principalmente porque a sociedade nos educa com fortes paradigmas que estão arraigados tanto por uma educação socialmente constituída, quanto pela educação familiar que, por conseguinte, reproduzimos nas nossas relações pessoais.

O principal paradigma que está sempre presente e que rege as relações é que: Todo pai/mãe ama seu filho/filha e vice-versa, ou seja, que: Todo filho/filha ama seu/sua pai/mãe. Parece uma verdade inquestionável. É um amor instituído, quer queira, quer não.

Ao vir ao mundo a criança já chega com esse dever e os pais, uma vez tendo escolhido desempenhar essa função social, passam a ter essa mesma obrigação, mas com um roteiro a seguir: amar, cuidar, educar (ensinar o que é certo, o que se deve ou não deve fazer) e encaminhar seus filhos na vida, sabendo o que é melhor para eles.


Esse script parece muito lógico enquanto a priori, mas a vida das pessoas não acontece tão rigidamente, como receita de bolo, ou como produção em série de uma fábrica. Quando se trata de pessoas, de relacionamento humano, o que se apresenta é exatamente o que é mais característico da humanidade, isto é, a particularidade, o singular, a imprevisibilidade, as infinitas motivações para realizar uma vida, o desejo.

Considerando a perspectiva acima, o ser humano é um eterno devir, ou seja, vai se construindo e construindo sua relação com o outro na vivência, na experiência do cotidiano. Ainda que se faça planos, trace metas, não há garantia de que os planos ocorram exatamente como teorizados, possivelmente não acontecerão exatamente como idealizados. Porque a todo momento se está mudando de idéia, se está mudando de sentimento, tanto em relação a si próprio quanto em relação aos outros e isto acontece na relação com o outro, já que o ser humano é especialmente passível de transformação. Então não é possível saber-se pais antes de sê-lo. Parte-se do zero, pais são tão somente pessoas que tiveram filhos.

A nova função, pais, ocorre em meio a uma mistura de relações e sentimentos. Cada um traz as suas referências da figura de pai e mãe de sua família de origem, as suas expectativas de como deseja constituir esse novo papel, da forma como acha que deve ser, o tipo de educação, as motivações para esse novo passo, o sentimento envolvido em relação ao cônjuge, etc. Todos esses aspectos se interrelacionam considerando ainda os paradigmas citados mais acima. Então, a todo momento os pais são testados entre o que desejam como pais e o que realmente são.

Quando permanecem referenciados no paradigma, Todo pai/mãe ama seu filho/filha que, no caso de haver mais filhos, costuma se estender para: Todo pai/mãe deve amar seus filhos da mesma forma, o conflito entre seguir essas leis e seguir o que se sente é enorme. Aparece a insegurança, a cobrança, as dúvidas, os sentimentos ambíguos e, principalmente se houver uma situação penosa como a separação para incrementar a dificuldade, muitas vezes, os pais confundem amar seus filhos com atitudes amorosas compensatórias. Essa confusão se torna mais evidente e mais utilizada com o advento da separação.

É muito comum dificuldades com limite, com a diferença entre o que se pode ou não deixar os filhos fazerem de suas vidas. A diferença essencial nesse aspecto, em que os pais imersos em seus conflitos não articulam muitas vezes, é que amar seus filhos significa deixar que façam o que querem com responsabilidade, ou seja, nem sempre se pode fazer o que quer, existem limites que precisam ser considerados. Este comportamento é uma forma de cuidado e atenção imprescindível para a criança. Assim é possível liberdade com responsabilidade como forma de amar. Diferentemente de deixar a criança fazer o que quer sem levar em conta a segurança da criança, ou seja, tanto a integridade física quanto a psíquica, no que se refere ao mundo que ela irá enfrentar. (aparente liberdade)

Como a criança vê a separação dos pais?

A criança, assim como o adulto, também convive com paradigmas, principalmente diante de situaçõenovas, desconhecidas e conflitivas como a separação. Abaixo estão alguns fantasmas que as crianças vivem com a nova situação de sua família que são de suma importância para os pais entenderem como as crianças imaginam, pensam e sentem sobre tudo o que está ocorrendo:

"Se papai e mamãe não se amam mais, então podem deixar de me amar a qualquer momento."

A criança demora a entender que os pais se separaram mas não perderam os pais, eles deixaram de ser marido e mulher mas não deixaram de ter o sentimento de amor de pais. Para a criança os papéis: marido, mulher, pai e mãe são indissociáveis. Então quando acontece a separação, leva algum tempo para a criança entender que não perdeu seus pais.

Muitas vezes os próprios pais contribuem para que a criança sinta como se estivesse perdendo um ou outro. Ex: Quando se pergunta para uma criança: Quem ela escolhe? ( ficar com a mamãe ou com o papai?) De quem ela gosta mais, do papai ou da mamãe? Cria-se uma situação altamente ansiogênica para a criança. Esta sente que deve escolher entre um e outro exclusivamente, como se ao escolher ficar com um, não ficará mais com o outro não só em relação a morar, mas também quanto a abdicar da relação pai/filho ou mãe/filho, do sentimento, da intimidade, do amor. É como se fosse algo definitivo.
Para os pais também não é muito diferente, quando a criança fica com um ou com o outro, o cônjuge que não mora mais na mesma casa, se afasta como se algo tivesse quebrado. Nesse momento a relação entre o cônjuge que está distante fisicamente e o filho está a prova, ou seja, será que esse afastamento é somente circunstancial ou será que a relação estava fragilmente calcada na determinação do papel social onde o que prevalece é tão somente o paradigma: Todo pai/mãe deve amar seu filho?

"Se eles brigaram e não querem mais viver juntos, é por minha causa, pois aposto que discutiram sobre mim."

A criança acha que tudo gira ao seu redor, portanto todas as brigas tem a ver com ela. Às vezes os pais realmente brigam por causa da criança, isto é, por divergências na educação, nos cuidados, nas obrigações, mas descuidam quando discutem na frente da criança. Não que se deva esconder tudo o que acontece, mas é necessário que se escolha o momento e a forma adequada de passar para a criança o que está ocorrendo, como um filtro, dando condições, considerando sua idade, para que ela possa entender e participar do que houve.

"Papai (mamãe) não mora mais aqui, não tem porque vir aqui, não liga mais pra mim."

A distância física algumas vezes é justificativa para muitos comportamentos dos pais tanto os que se distanciam quanto aqueles que passam a ser mais presentes do que quando moravam juntos.

Por todas as desavenças de marido/mulher, por tudo o que a casa lembra daquele relacionamento, o cônjuge que vai para uma outra casa, tem muitos motivos para não querer aparecer na antiga casa e, às vezes, mistura os papéis deixando de ir lá, perdendo a frequência de ver os filhos que também moram naquela casa. Mesmo quando alguns pais fazem questão de ser presentes, por não habitarem mais a mesma casa, já imprime uma grande diferença de rotina para as crianças que sentem com os dias e horas a menos de convivência.

E a separação para os pais?

Para os pais é tão difícil quanto para as crianças, porque a situação da separação, seja amigável ou não, de qualquer forma implica em perdas para ambos, e dependendo de como foi sua relação, isto é, o papel que cada um ocupava antes do rompimento, vai afetar diretamente as relações posteriores. Por exemplo: Se o pai já não era muito presente, se torna totalmente ausente. Se a mãe já era protetora, do tipo que resolve tudo, vira super mãe. Se o pai era apegado aos filhos, se torna pegajoso etc.

É como se colocasse uma "lente de aumento" movida pelas inseguranças, dores, ressentimentos que a nova situação (separados) lançou cada ex-cônjuge. Desencadeia uma necessidade de compensar aquilo tudo o que foi perdido. É como se alguém tivesse morrido e as pessoas ainda estivessem de luto, muito presas a esse passado, ainda não vislumbram o que ganharam estão apenas olhando para o que perderam, então tentam compensar a si e aos outros.

Ao se deparar com o fato de que aquela relação morreu e que com ela foi junto todo um conjunto de trocas, sejam afetivas, financeiras, responsabilidades, e outras, independente de terem sido agradáveis ou não, cada ex-cônjuge experiencia uma nova rotina que modifica toda a dinâmica familiar. Com isso, a vida dos filhos muda inevitavelmente no que diz respeito a esse novo ex-casal. Este herda a relação com os filhos mais a relação com o ex-cônjuge.

Muitas dúvidas, incertezas, sentimentos, ressentimentos perpassam essa nova família. Assim como a criança, sente culpa pela separação dos pais, estes também sentem-se culpados em relação aos filhos por causa da separação. Daí várias atitudes compensatórias por parte dos pais após o rompimento.

Essa culpa existe porque a vida da criança, bem como a dos adultos, irão sofrer mudanças às quais se remetem à decisão dos pais se separarem. Como por exemplo, a privação da convivência diária com o pai ou a mãe que não mora mais na casa. Aquele que ficou sente-se culpado pela tal falta que o outro fará na vida da criança. E aquele que foi para uma outra casa sente-se culpado por estar distante. Este pode até achar-se totalmente dispensável na vida da criança, se afastando por achar que não tem direito, nem lugar nessa nova forma de viver. Isso acontece porque a separação, amigável ou não, é vista como um fracasso familiar do qual os cônjuges são seus algozes resultando em uma visão simplista e punitiva de que: "Se não sou capaz de manter meu casamento, consequentemente não tenho competência para exercer o meu papel nessa família."

A consequência dessa visão distorcida é a eliminação dos dois papéis: o de parceiro(a) e o de pai/mãe. Há uma enorme insegurança quanto a competência de cada um nesses papéis que se denuncia em situações compensatórias com os filhos, como por exemplo: no presentear demais os filhos; ao sugerir que a criança escolha com quem quer ficar e, consequentemente, quer saber quem ela ama mais; ao proteger o filho ao máximo possível para que ele escolha estar sempre junto, etc.

Além da insegurança em relação a competência tem também a questão de achar que seus filhos estão marcados por um desfavorecimento no mundo em relação às outras crianças que têm seus pais convivendo juntos.

Essa confusão dura algum tempo e vai perdurar ou não dependendo de como essa nova família vai se estruturar e assumir a nova realidade. Portanto, os ex-cônjuges são responsáveis pela separação e não culpados dela, como se fosse um erro irreparável do erro de terem um dia se escolhido.

A responsabilidade da separação e suas consequências não determinam prejuízo para os filhos mas, a culpa dos pais, esta sim, torna-se um peso para a criança pois esta percebe e sente a insatisfação e a confusão que seus pais estão imersos e, assim, a culpa dos filhos acaba por ser alimentada.

Após o período de luto, de confusão, quando a realidade supera os fantasmas, pode surgir a possibilidade de organização de uma nova família a partir da inserção de um novo membro - o marido da mãe ou a nova esposa do pai.

Fonte: http://www.existencialismo.org.br/

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