segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Filho único: o reizinho da casa?





Por Laura Dias


Quando Cazuza compôs a canção Filho Único, em 1989, pais e mães de classes média e alta aprendiam a lidar com projetos de gente que cresciam sem irmãos e tornavam-se, muitas vezes, pequenos ditadores. Começava a era do filho único. Muitas vezes por falta de dinheiro, ou de tempo, a opção por ter apenas um herdeiro ganhava força.

Vinte anos depois da letra de Cazuza, assumidamente mimado e rebelde, os casais se rendem ao filho único. Dados divulgados recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as famílias brasileiras têm, em média, menos de dois filhos. Os números fazem parte do relatório preliminar Contagem de População 2007, realizado pelo instituto. Nos anos 90, uma em cada dez mães tinha apenas um filho. Hoje, o índice pulou para uma em cada três.

Mais escolhas

A opção é mais comum entre a classe média e alta. “Quanto maior a escolaridade e a renda, menos filhos”, afirma Ana Lúcia Sabóia. Para ela, o ingresso maciço da mulher no mercado de trabalho e a disseminação dos métodos contraceptivos contribuíram para esse quadro. Hoje, ao contrário de 30 anos atrás, a mulher tem meios eficazes para decidir quantos filhos quer ter.

A antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, concorda. “Os casamentos e as famílias são mais flexíveis”, diz. Ela explica que se trata de uma tendência mundial ter um único filho ou até não ter filhos, como vem acontecendo na Europa. “Muitas mulheres querem investir no estudo, na profissão e em uma vida mais livre.” Em resumo, a mulher do século 21 tem outros desejos além da vida familiar: as escolhas são maiores.

Soma-se a esses fatores a preocupação cada vez mais forte que os pais têm de dar conforto financeiro e atenção às crianças. E isso tem fundamento. Um estudo realizado pelo professor de finanças da FGV/SP e da PUC/SP Fabio Gallo Garcia mostra que, em 2007, um filho gastava cerca de R$ 400 mil em famílias de classe média, levando-se em conta apenas gastos com a educação, do berçário até a faculdade. “Não tenho estimativas de gastos com saúde e alimentação mas, se há um segundo filho, apesar de a família reaproveitar alguns itens, as despesas também podem dobrar”, diz.

Mimado demais?

Se alguns tabus referentes à entrada da mulher no mercado de trabalho foram quebrados, mitos relacionados aos filhos únicos também caíram por terra. Crianças sem irmãos já não são chamadas de egoístas e infelizes, como sugeria a letra de Cazuza. Uma pesquisa do departamento de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, feita com 360 jovens entre 15 e 19 anos de Porto Alegre, mostrou que aqueles que eram filhos únicos apresentavam melhor rendimento escolar do que os que tinham irmãos, e ingeriam menos bebidas alcoólicas. Em relação à vida social, tanto filhos únicos quanto crianças com irmãos tinham hábitos semelhantes.

Mesmo assim, quem tem um filho só precisa, sim, ficar mais atento, defende o psiquiatra Alexandre Saadeh. “Por ser, como o próprio termo diz, ‘único’, ele é visto como especial, o que pode dificultar a socialização com outras crianças e adultos.” Evitar esse comportamento é o grande desafio dos pais — dos que têm mais de um filho também, claro.

A escola, aliás, é um ótimo espaço para exercitar os relacionamentos, já que repartir, ceder, esperar e outros sentimentos tão difíceis de entender na infância fazem parte do dia-a-dia ali.

Bem resolvido

Por outro lado, se a atenção exclusiva em excesso pode prejudicar os filhos únicos, é exatamente isso que os torna crianças mais seguras. “Eles têm a auto-estima bem desenvolvida, já que são reconhecidos em tudo o que fazem.”

Com o aumento de segundos casamentos, a psicanalista Suely Gevertz acredita que “filhos únicos” de uma mesma mãe serão cada vez mais comuns, pois as configurações familiares se transformam com o tempo. Hoje, temos, por exemplo, famílias de pais separados que se casaram novamente: meio-irmãos e crianças que não são irmãos, porém vivem na mesma casa, madrastas, padrastos, enteados e assim por diante. “O que não muda, porém, é a função dos pais”, afirma Suely. E nem as vontades dos filhos...

O que vai acontecer, então, com essa geração de crianças sem irmãos? Para a educadora Maria Ângela Barbato Carneiro, a solução está no convívio com primos, vizinhos, amigos e colegas de escola. “Para tanto, os pais devem estimular as atividades em grupo, como jogos, brincadeiras e aulas extracurriculares”, afirma. Pois é brincando com outras crianças que elas amadurecem.

O que, com o aumento dos filhos únicos, não será tarefa difícil. Outras famílias estão buscando o mesmo: basta que elas se encontrem.


Texto extraído do site:



0 comentários:

Postar um comentário

Que bom que você veio escrever na lousa de comentários.
Obrigada!